Do Correio Popular por Alberto Dines
O governo não está pressionado por protestos de rua, nem coagido pelos aliados na coligação de centro-esquerda. Está atento às estatísticas, às realidades, ao compromisso de atentar para o futuro. O presidente José “Pepe” Mujica não é um demagogo, ao contrário, sua simplicidade, franqueza, seu desapego às pompas do poder o converteram numa figura respeitada e querida por todos.
Ao incentivar o projeto de legalização, cultivo e distribuição da maconha aprovado nesta quinta pela Câmara dos Deputados, Mujica acrescentou ao seu habitual pragmatismo uma grande dose de audácia e com estes ingredientes resolveu enfrentar um extraordinário desafio.
Com apenas três milhões de habitantes e uma preocupante taxa de envelhecimento da população, o Uruguai está apostando nos jovens, precisa protegê-los. Mais de uma vez Mujica reconheceu que a luta contra o narcotráfico através da repressão está perdida, o país não tem recursos e o velho idealista não tem ânimo para transformá-lo num estado policial. O monopólio da máfia é o inimigo interno número um.
A decisão é histórica, foi imediatamente condenada pela ONU, mas Mujica já anunciou que irá defendê-la pessoalmente em setembro ou outubro perante a Assembleia Geral. “A maconha é uma praga, mas o narcotráfico é pior, o maior flagelo da América Latina”.
O consumo já era legal no país, o plano agora aprovado pela Câmara e encaminhado ao Senado, autoriza o Estado a “assumir o controle e a regulação de atividades de importação, exportação, plantação, cultivo, colheita, produção, aquisição, armazenamento, comercialização e distribuição de cannabis e seus derivados”.
Uma agência reguladora, o INCA (Instituto Nacional do Cannabis), cr0iada simultaneamente deverá controlar todas as etapas da cadeia produtiva. Plantar maconha, independente da destinação, será permitido desde que com a autorização prévia do Estado. Para consumo próprio dentro da casa do usuário, o limite será de seis plantas e um estoque máximo de 480 gramas do produto processado.
O plano vai além do modelo holandês de simples despenalização porque se estende à venda e ao consumo da erva. Só cidadãos uruguaios, devidamente cadastrados, poderão beneficiar-se.
“Nunca fumei maconha, sou de outra época (tem 78 anos) e não defendo qualquer tipo de dependência”, declarou o presidente, “prefiro legalizar o consumo para que não cresça nas sombras e cause mais dano à população.”
Embora a tramitação no Senado seja considerada mais favorável, uma recente pesquisa indicou que 63% dos uruguaios são contra o plano. Alguns pontos, porém, poderão ser alterados como o limite mínimo de 18 anos para o cadastro.
Por décadas considerado a “Suíça sul-americana”, no ranking do IDH está na 51ª posição (nós na 85ª), o Uruguai liberou os jogos de azar, facilita a movimentação de capitais e agora avança com esta audaciosa experiência sanitária e social. País-laboratório, pouco menor do que o Paraná, sabe explorar suas vantagens. Iludidos pelo gigantismo, abdicamos de experimentar.
Junho, ao que parece, não serviu para coisa alguma
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