Foi a foto chocante de uma criança síria morta na tentativa de fugir da guerra e da fome e alcançar o primeiro mundo.
A família do menino Aylan Kurdi tentava entrar no Canadá, que teria negado pedido de refúgio e ofereceu asilo ao pai da criança depois que a foto viralizou na internet. Só depois que a tragédia foi assistida pelo mundo inteiro – antes disso, a questão imigratória simplesmente não era um problema da Europa (e nem nosso, para sermos sinceros).
A fotografia – que promete ser um divisor de águas na atitude européia com a questão dos imigrantes (embora eu, particularmente, não guarde essa esperança) — rendeu opiniões emocionadas, ilustrações tocantes e milhões de manifestações de condolências na internet.
Parece que o mundo enxergou que a questão imigratória – assim como várias outras questões sociais – é, sim, um problema nosso.
O poder da internet de viralizar absolutamente tudo finalmente alcançou um refugiado, um esquecido, um marginalizado, um invisível. É claro que é louvável saber que as pessoas – a internet, sobretudo – ainda são capazes de se deixarem tocar, mas isso me pareceu cruelmente raso e efêmero, exatamente como aquelas fotos de crianças africanas famintas nas timelines de quem diz que menino de rua é trombadinha e é a favor da redução da maioridade penal.
A foto viralizou exatamente como a Andressa Urach, a traição do Marcelo Adnet, a morte de um cantor sertanejo: nada muito frutífero, nada realmente tocante, nada que vista um sentimento permanente.
Esse texto é pra você que acha que o mundo vai mal porque um imigrante sírio foi fotografado morto numa praia, mas ignora a guerra urbana nas favelas da sua cidade. Que lamenta a questão imigratória na segurança do seu quarto, protegido pelos muros – visíveis e invisíveis – do seu condomínio, que acha tocante que a tentativa imigratória mate crianças (e adultos, e idosos), mas não enxerga que isso é um fruto amargo do mesmo sistema que não ampara o homem que te pede esmola na mesa de um bar.
Pra você que lamenta a fome na África, o trabalho escravo, a desigualdade social e a questão imigratória mas compra roupas no AliExpress. Pra você que se deixa tocar pela foto de uma criança morta – vítima da mesma, mesmíssima desigualdade que dizima o seu país, o seu bairro, a sua rua – mas é contra programas sociais.
Esse texto é para a nossa hipocrisia que, de tão cega, não nos deixa enxergar que nem o menino sírio, nem o garoto negro do sinal, nem as crianças mortas na rocinha são um fato isolado, e que tudo isso é, sim, um problema nosso. Esse texto é pra nós, que só tiramos os olhos de nosso próprio umbigo quando vemos a foto de uma criança morta com a cara na areia. Pra nós que somos insensíveis às mazelas da vida até que elas pisem na nossa consciência.
Fonte: DCM
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui um comebtário