Veto a rolezinho consagra apartheid brasileiro
A lei é clara. Define como como crime "recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador" e as penas de reclusão variam de um a três anos
; foi exatamente isso o que aconteceu ontem no shopping JK Iguatemi, quando uma triagem, respaldada por liminar judicial, impediu a entrada de jovens da periferia; em Itaquera, na zona leste, jovens foram agredidos com balas de borracha e cassetetes; repressão aos "rolezinhos" explicita o quanto o Brasil ainda tem que avançar em matéria de igualdade; ontem, três jovens foram presos em São Paulo
Em janeiro de 1989, ainda no governo do ex-presidente José Sarney, foi promulgada a Lei 7.716, que define os crimes de preconceito de raça ou de cor. O artigo quinto é claro e define como crime "recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador". As penas de reclusão variam de um a três anos.
Foi exatamente isso o que ocorreu ontem no shopping JK Iguatemi, do empresário Carlos Jereissati, quando seguranças do shopping fizeram uma triagem para definir quem poderia entrar e quem deveria ficar de fora – no segundo grupo, estariam todos aqueles que tivessem aparência de jovens da periferia, ou seja, pardos ou negros.
Cientes de que não poderiam discriminar clientes de forma tão explícita – até porque a lei 7.716 é clara e tem penas severas –, os donos do shopping só conseguiram fazer a triagem porque obtiveram uma liminar judicial. Ou seja: o preconceito foi respaldado pela Justiça. Temia-se que jovens da periferia realizassem no JK Iguatemi, Meca do luxo, em São Paulo, um "rolezinho" – manifestação que afirma a identidade desses jovens e tenta mostrar para a sociedade que não são invisíveis ou cidadãos de segunda classe. No entanto, com a liminar, a Justiça contribuiu para que fosse erguida, em São Paulo, a muralha do preconceito (leia mais aqui).
Diante disso, o blogueiro Eduardo Guimarães, colunista do 247, afirma que um direito constitucional dos jovens da chamada nova classe média foi violado (leia aqui). E o sociólogo Rudá Ricci compara o rolezinho ao movimento "occupy" – a diferença é que, desta vez, exercido por cidadãos da perifeira (leia aqui).
Tão grave quanto o ocorrido no JK Iguatemi foi o desfecho do "rolezinho" no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo. Lá, os jovens foram agredidos com cassetetes e balas de borracha pela polícia, sem que tivesse havido qualquer registro de violência.
No próximo sábado, dia 18, haverá um novo "rolezinho" no shopping Itaquera. No JK, a liminar ainda impede a entrada de todo e qualquer menor desacompanhado – a menos que convença os seguranças que não tem tipo de jovem da periferia. Ou seja: a justiça consagrou o apartheid brasileiro.
O que também comprova o atraso do País na promoção da igualdade. Em 11 de junho de 1963, quando negros eram impedidos de frequentar os mesmos estabelecimentos comerciais dos brancos, nos Estados Unidos, o então presidente John Kennedy fez um de seus mais importantes discursos. Disse o básico: que todos os cidadãos americanos, independente da cor ou da aparência, têm direito de frequentar os mesmos estabelecimentos.
Assista:
Leia, ainda, reportagem da Agência Brasil sobre a prisão de três jovens em um "rolezinho" em São Paulo:PM prende três pessoas após “rolezinho” em shopping na zona leste de São Paulo
Daniel Mello
Repórter da Agência BrasilA Polícia Militar deteve três pessoas em uma ação para conter um tumulto na noite de ontem (11) no Shopping Metrô Itaquera. Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP), centenas de jovens promoveram quebra-quebra, furtos e roubos no centro comercial. O encontro foi um dos chamados rolezinhos, marcados para ocorrer em shoppings da Grande São Paulo. A polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes contra os adolescentes.
De acordo com a SSP, uma loja de jogos eletrônicos teve as portas arrombadas e parte da mercadoria roubada por pessoas portando pedaços de madeira. Dois jovens, de 15 e 19 anos, foram detidos com pedaços de pau. No entanto, nada foi encontrado com eles.
Um adolescente de 16 anos foi detido, segundo a PM, com um celular roubado no bolso. Ele é suspeito de ser uma das 11 pessoas que agrediram dois irmãos com socos e chutes. O grupo roubou celulares, tênis e bonés das vítimas do lado de fora do shopping. O menor apreendido será encaminhado para a Vara da Infância e Juventude.
Os rolezinhos, encontros marcados pelas redes sociais por jovens da periferia em centros comerciais, começaram no final do ano passado. Os primeiros foram organizados por cantores de funk em resposta a aprovação pela Câmara Municipal de um projeto de lei que proibia bailes do estilo musical nas ruas da capital paulista. A proposta foi vetada pelo prefeito Fernando Haddad no início de 2014. Os rolezinhos continuaram, no entanto, a serem organizados. A polícia tem reprimido os atos.
Para o sociólogo João Clemente Neto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as manifestações emshoppings estão ligadas à carência de locais para lazer e cultura. “Se você for em alguns lugares, mesmo nos bairros da classe média, você não encontra espaço para isso. Se você pegar a cidade de São Paulo, quantos milhões de jovens e adolescentes nós temos? E os espaços para livre manifestação são minúsculos”, ressaltou o professor, que trabalha com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Para Neto, os jovens optam por se manifestar nos shoppings pela visibilidade dos locais e pela mensagem que eles tentam passar. “Tudo que nós falamos de consumo, que ele quer ver e quer consumir, aparece noshopping. E, ao mesmo tempo, é uma forma de resistência, porque ali é o espaço do consumo. Então, quando você fala ali, é uma forma daquele grupo se reconhecer naquele espaço”,
concluiu.
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