segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As manifestações de junho: alienação coletiva ou engajamento individual?

Detive-me em não escrever sobre as manifestações ocorridas na grande parte do Brasil, ao menos, enquanto elas experimentavam seus momentos mais tensos e com maior número de adesões. Esta “inércia” não foi para prevalecer-me da máxima: ser inteligente depois é mais fácil.


Ocorre, entretanto, que a análise dos fatos no calor de seus acontecimentos e da emoção prejudica a interpretação que se pretende fazer sobre os fatos. Antes, porém, procurei ler aqueles que, afeiçoados a produzirem artigos diariamente, dado a necessidade do trabalho ou a um alto grau de amadurecimento intelectual, já tinham algo a dizer.

 Observei teorias bem díspares, como por exemplo, que os manifestantes foram utilizados como massa de manobra por grupos políticos interessados em desestabilizar o governo federal, por conta das eleições presidenciais de 2014. Ao contrário, outros diziam que o movimento foi apartidário, daí a hostilidade com aqueles que empunhavam bandeiras de partidos. 

Um dos líderes do MPL – movimento pelo passe livre – disse em entrevista que vários partidos políticos participaram das primeiras iniciativas de convocação das massas para protestar contra o aumento das tarifas em São Paulo, e, portanto, não era justo hostiliza-los agora. Não menos importante foi a afirmação de que as manifestações começaram por idealizadores esquerdistas, a fim de culpar a direita pelas violências.

 Esta última afirmação converge, em parte, com o que disse um dos representantes do MPL: “vários partidos políticos participaram das primeiras iniciativas de convocação das massas...”. Se partidos estavam por traz desses movimentos, propriamente dito, é bem possível que sim. É bem a cara da politicagem brasileira. Se aproveitam de tudo e de todos, sem a preocupação da discussão séria, querem apenas chegar ao pódio.

 A Folha de São Paulo produziu matéria que revela que a polícia secreta da PM (P2) de São Paulo descobriu a participação de integrantes do PSOL no recrutamento de punks para promoverem a quebradeira e a baderna durante as manifestações. E o Foro de São Paulo, tem alguma relação com esses movimentos populares? Também há aqueles que pensam que sim. Bem, percebam que as opiniões são bem dessemelhantes, o que pode significar muitas coisas ou muitas intenções. 

Por exemplo, pode ser que todas as afirmações sejam verdadeiras? Pode ser que somente algumas sejam verdadeiras? Pode ser que muitas dessas opiniões estejam recheadas de elementos plantados com o objetivo de alienar, ora grande parte da sociedade que estava assistindo a tudo isso, ora para alienar a massa de manifestantes. Intuam que nenhum lado é totalmente bom e nenhum lado é totalmente mau. 

Todos têm seus interesses e a imprensa brasileira, historicamente, está longe de ser neutra. Ao contrário, é mesquinha e comercializada. Não vejo, na grande parte da opinião pública, interesse em educar, em ensinar, em discutir. Até porque ou falta-lhe conteúdo ou independência. Mesmo aqueles que mantém uma posição mais progressista são, amiúde, pedagogicamente soberbos. Este tema e as análises que se faz sobre ele, me fazem lembrar de um movimento historiográfico conhecido como escola dos Annales (1929), o qual pretendia incorporar métodos das ciências sociais à análise da história.

 Em síntese, conjecturava substituir o tempo breve, factual, da história, pelo processo demorado, mais longo, a fim de entender com mais propriedade, dentre outras cousas, as mentalidades, privilegiando os métodos pluridisciplinares. Embora não seja tarefa fácil, requer um exercício intelectual e mental diário e constante, para entender a “evolução” das mentalidades, como método de estudo e observação a fim de compreender determinados processos políticos e históricos. Vou tentar ser breve neste textículo.

 Há na nação brasileira, não uma, mais várias demandas reprimidas. A falta de um líder, de organização do povo, a ausência de uma pauta série de projeto e discussão para o futuro do país, o aumento do uso de drogas pelos jovens, tanto das proibidas como das permitidas, que os retiram da realidade na qual estão inseridos, e o desinteresse da política pelos mesmos, e, em especial, pela mulher, são sintomas, a priori, de um povo alienado. Afirmei em um artigo que todos nós somos inseridos numa sociedade alienante, e para que possamos nos libertarmos precisaríamos ser divergentes e dissidentes organizados para um determinado fim.

 Mas para isso temos que entender o que está acontecendo e sabermos o que queremos. A identidade brasileira é difusa, e ainda procura se afirmar. Um elo, por mais artificial e frágil que seja, diante de tantas demandas, é capaz de conduzir o povo para manifestações como essas. A internet representa, hoje, no Brasil, a cabeça da liderança que nos falta. É a ela que o povo se socorre, é nela que o povo se abriga, se organiza e se orienta. Nos falta um líder.

 E também falta “cultura” para a maioria da população. Este foi o país que inventaram, foi assim que quiseram nos construir. O nosso líder é virtual. O Brasil de hoje ainda tem muito do Brasil observado por Gilberto Freyre, o qual foi forjado entre escravos e senhores que, apesar da relação tensa, servil e violenta, se desenvolveu sem grandes confrontos ou reações, e, segundo alguns, até com “aspectos de doçura”.

 Em que pese a tentativa de alguns historiadores de superestimarem algumas rebeliões ou alguns movimentos regionais, acreditando com isso, que estão dando uma contribuição à autoestima do brasileiro. Quanta estupidez, estão, na verdade, invertendo a lógica da inteligência, ao valorizar o otimismo em detrimento do realismo. Não se muda o que não se conhece. Se, determinados movimentos do passado tivessem a grandeza que se pretende dar, o Brasil de hoje seria outro. Perdemos nossa maior chance entre 1831 e 1840. Ninguém fala isso, mas é verdade.

 As elites regionais e a nacional poderiam ter selado um pacto em torno de um grande projeto, e ter ficado sem D. Pedro II. Até hoje nossa elite é leniente, anêmica e vendida. É por isso que o jornalismo em geral deve ser observado com cautela. Em regra, alienam mais ainda. Quando afirmam que a maioria dos parlamentares são honestos e que a improbidade e o desleixo com a coisa pública são deformidades de uma minoria, estão prestando um desserviço à nação.

 Ora, igualmente eu afirmo: se fossem de uma minoria, hoje o Brasil seria outro. Esses ingredientes, somados à herança cultural ideológica do final do século XIX, ajudaram a inventar esse Brasil que caminha a passos retraídos. A partir do final do XIX, essa herança partiu dos intelectuais, na sua maioria, brasileiros, que estavam repensando o Brasil desde nossa entrada na recente república e alinhados a uma teoria europeia de inviabilidade do Brasil como nação, devido sua mestiçagem. Repito, não daria para explanar e discutir esse assunto aqui.

 O fato é que se dizia que os germanos, eslavos e saxões caminhavam para o progresso; os celtas e latinos mostrariam decadência e os portugueses seriam um povo inferior, estando atrás somente os negros e índios. A partir daí, ratificou-se a teoria do servilismo do negro, da preguiça do índio e do gênio autoritário e tacanho do português; que produziria uma dependência cultural e psicológica no brasileiro, devido à mistura de raças - da qual foi produzida uma nação monótona e sem qualidades fecundas e originais.

Pois bem, estampado esse panorama de dependência cultural e psicológica que tentaram forjar, e em certa medida conseguiram, daí nossa passividade, só me resta concordar, em parte, com a maioria: o Brasil das ruas de junho último não representou um movimento organizado e crítico, que sabia o que queria e o que buscava concretamente. Mais isso não é tão importante, diante das possibilidades que se abrem, e porque na síntese de seus gritos se clamava por justiça. Por um Brasil menos desigual.

Durante muito tempo a imagem do Brasil foi comparada à de uma baleia encalhada. Hoje, contudo, vejo que houve evolução: o Brasil que doravante se apresenta metamorfoseou-se em uma serpente sem cabeça, que “corre” ou “rasteja” em disparada, sabe lá para qual direção, serpenteando a cauda ou o rabo. Logo, caro leitor, eu gostaria de dizer que, apesar de toda a alienação, a maioria dos brasileiros foi movida por um sentimento idêntico de revolta e repulsa com o status quo. Mais lamento dizer, que esse movimento só serve para dar um frescor na vida daqueles que vivem na miséria: novas políticas assistencialistas vão surgir. Isso é bom para a coletividade miserável, mas não para você, não para o país. Porém, não se frustre, és um engajado.

Se você quiser mudar a sua vida, estude e salve-se! Se quiser mudar o país, ah... Precisaria de alguns milhões iguais a você. E ainda assim não seria o suficiente, vocês precisariam dar as mãos, interagir no sistema, sem ser absorvidos por ele. Lembram dos caras pintadas? Collor saiu, embora tenha voltado, mas José Sarney, Renan Calheiros, Paulo Maluf, Jader Barbalho, parte do grupo dos mensaleiros e tantos outros ficaram. A alienação é coletiva, mas o engajamento é individual. Parabéns!

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