terça-feira, 26 de abril de 2016

Ódio ao PT acentuou se com o fim da "escravidão" das Domésticas


                                                                                         
Li por esses dias uma pequena matéria com uma professora da USP (Marta Arretche), em que ela avalia as realizações dos governos do PT e o ressentimento despertado por eles na classe média brasileira. Em sua opinião, os programas sociais colocados em prática passaram a ser olhados com severa desconfiança, a partir do momento em que a mão de obra barata — como a de empregadas domésticas e pedreiros — começou a se tornar cada vez mais escassa e mais cara. Embora a origem desse fenômeno deva ser buscada em etapa anterior da história brasileira, para amplos setores da classe média, o principal responsável por esse quadro seria o PT, que acabou perdendo de forma radical qualquer apoio ou simpatia que pudesse ter entre esses segmentos da sociedade.

Sempre desconfiei disso. Quando vi aquelas madames loiras protestando na Avenida Paulista, no auge das “jornadas de junho” de 2013, não pude deixar de fazer a ligação daquele desespero que mostravam com a PEC das Domésticas, que acabara de ser sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, e que estendia aos empregados domésticos do País direitos elementares (como jornada de 8 horas, descanso semanal, férias remuneradas, 13º salário) até então completamente ignorados por muitos. A histeria coletiva que tomou conta das ruas desde aquela época não foi pelos 20 centavos de aumento das passagens de ônibus.

O ódio contra os governos do PT começou a se acentuar justamente ali, quando aquilo que parecia um direito sagrado dos mais abastados — ter serviçais domésticos ao seu dispor, a um custo muito baixo — foi subitamente corrigido por um conjunto de medidas que garantia a eles os mesmos benefícios dos demais trabalhadores. Talvez, poucas outras iniciativas tenham sido assim tão simbólicas e traumáticas como essa ao longo da nossa história.

De certo modo, a existência secular de empregados domésticos mal remunerados e sem direitos pertencia à “ordem das coisas” no Brasil. E era assim que muita gente os compreendia. Poucos se perguntaram por que as condições de trabalho desses grupos eram aquelas. Poucos se atreveram a exigir que essas mesmas condições fossem alteradas para melhor. Era quase como um “dado natural”, algo que pertencia à própria noção de tempo. O que sempre foi, sempre será.

O mundo privado dos lares burgueses é cheio de silêncios e segredos, nos quais as domésticas desempenham um papel significativo. Negras e mulatas jovens (mas não apenas) também têm servido para saciar os desejos e as cobiças dos patrões — seniores e juniores. Quantas não são as histórias de escapadelas noturnas (ou diurnas, quem sabe?) nos quartinhos dos fundos para momentos de prazer e sedução?! Mães, avós e esposas fecham os olhos discretamente, fingindo que não sabem de nada. Algumas vezes, porém, o enredo se altera e surpreende.

Há alguns anos, recebi com enorme surpresa o telefonema de um velho amigo, que eu não via há décadas. Na verdade, ele era o irmão mais novo de um querido amigo de infância, que nós incorporamos à turma porque ele era muito fofo e divertido. Devo a ele alguns dos momentos mais hilários da minha juventude! Pois bem, depois de tanto tempo, ele ligou porque precisava muito conversar comigo. Claro, marcamos uma data e fui até a sua casa. Ele morava sozinho com a mãe já idosa num belo apartamento em Copacabana. Sentamos para conversar.

Enquanto eu bebia um guaraná geladinho, ele ia tomando suas doses de cachaça e fumava sem parar. Contou dos tempos mais recentes, quando teve um AVC e recebeu dos médicos severas advertências para mudar de hábitos, coisa que se recusava a fazer. E então voltou aos tempos passados, mais ou menos na época em que acabamos por nos afastar. Como ele era bem mais novo, na mesma fase em que eu entrava na vida profissional, casava e tinha filhos, ele embarcava numa aventura que durou alguns anos na Europa, estudando dança e teatro, suas duas paixões. Tudo bancado pelo papai, que não sabia dizer não às vontades do filho.

Quando o pai adoeceu, alguns anos depois, ele voltou para casa. Logo que o velho morreu, a revelação mais surpreendente de toda a sua vida: era filho da empregada com o pai. Não aquela empregada nova que trabalhava na casa há pouco tempo. Mas aquela empregada antiga, que trabalhou lá por tanto tempo e que acabara voltando para a sua cidade natal no Nordeste. “Meu mundo caiu”, foi tudo que ele conseguiu verbalizar então. Entre idas e vindas, perguntas daqui e dali, foi atrás da mãe biológica para ouvir a verdade. Tudo que conseguiu arrancar dela foi um seco veredicto: “mãe é quem cria”.

Voltou para casa, desistiu dos sonhos e se enfurnou para sempre ali junto àquela que sempre acreditou ser a sua mãe. Envelheceu ao lado dela, atuando como uma verdadeira empregada doméstica. Fazia a comida dela, lavava a roupa, arrumava a casa, providenciava consertos e reparos, tratava com a diarista que vinha uma vez por semana. Viveu assim durante anos, praticamente sem sair de casa. Pedia tudo pelo telefone: o cigarro e a cachaça estavam garantidos pelo bar da esquina. Morreu algum tempo depois da minha visita. Só queria que eu soubesse da sua história.

Conheço outros como ele. Soube até de uma patroa que “roubou” o marido da empregada, um tremendo gatão! E segue o baile. No âmbito da nossa infinita hipocrisia, o grande problema mesmo são os programas sociais do PT…




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